Criança coloca as mãos na cabeça, sem entender nada, fica com o rosto vermelho. Levanta, pega seu caderno e vai até a professora.
- Mãe, não estou conseguindo resolver o problema - diz a criança
- Não me chame de mãe, sou sua professora - diz a mulher
Anos 70, cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, escola estadual, segundo ano primário, esta criança era eu; a professora, minha mãe.
Várias coisas poderia considerar para qualificá-la como uma pessoa especial, mas me lembro com clareza desse fato. Uma mãe que não dava privilégios à sua filha, exercia sua profissão de magistério, na maioria das vezes desvalorizada, com maestria e esforço. Quando chegada a hora do tema de casa, eu sempre tinha que errar ou acertar sozinha, se perguntasse alguma coisa, logo me vinha com "me pergunte em sala de aula", ou coisa que o valha. Hoje aposentada, agora vovó, ainda nos cerca de algumas lições.
Ser mãe é uma coisa muito esquisita mesmo, uma verdadeira metamorfose na vida da gente. Se antes era uma filha, indivíduo, uma partícula; agora me encontro numa espécie de célula de duas unidades. Tom e Jerry, queijo e goiabada. Tudo passa a ser decidido em conjunto, ou considerado para mais de uma pessoa. Pela primeira vez em minha vida, não sou mais a protagonista dela própria, tenho alguém para cuidar, zelar.
Como mãe, tenho que ser uma criança, há pouco aprendi a brincar de pular corda, coisa complicada, pelo menos para mim; a contar histórinhas imitando vozes; recitar poesias; aprendi a ser cozinheira, até agora só sabia fazer o arroz "unidos venceremos"; e a trabalhar de madrugada, se isso fizer com que fique mais tempo com minha filha, e ainda aprendi a ser a modelo da capa, se isso a fizer sorrir.
Serei mãe sempre, contrato sem dissolução. Agora sou mais de uma pessoa, sentindo e planejando por duas. E quando ela construir seu próprio caminho, ainda estarei com uma mochila nas costas para acompanhá-la.
Minha filha só será criança uma vez na vida, adolescente, moça. Se tiver daqui a alguns anos que ouvir seus desamores; receber o namorado, mesmo que não tenha gostado dele, torcer para que passe no vestibular; comemorar o primeiro emprego, eu farei. Sempre estarei onde ela estiver.
Sou mãe, agora é para sempre. Que diga a minha grande professora, mas que ainda só consigo chamar de "mãe". Sem cargos, ofícios, só amor.
Ana Cecília Romeu
Publicitária e escritora